Monday, February 21, 2005

 

NADA COMO UM AMOR ANTIGO ENFURECIDO (trilha: Mark Stress - Você apagou tudo)


Um amor antigo é um cárcere.
(Petrônio)


Ela entrou no quarto, vendo a bagunça, o sangue, e os movéis que lhe eram tão familiares. Gallus meio cambaleante tentou chegar na porta que dava as escadas, mas a negra lhe apontou a escopeta e disse:
-Já te disse, você tem algo que me pertence.
-E eu já te perguntei: o que , meu Bráulio?- É mesmo um idiota, outro tiro lhe atingiu a perna, além de idiota também é sortudo, os dois tiros passaram de raspam, só lhe trazendo uma dor fina e levando um pouco de sua pele ensebada.
-Passe para cá meu amor- disse ela, quase chorando.
“O que os olhos não vêem, o coração não sente”, pensou em dizer, mas resistiu a essa, na verdade ele perde alguns membros sem perder a piada, mas não a vida. Lembrou que ainda não tinha assistido o final de Caverna do Dragão, isso o fez ficar calado e almejar por um pouco mais de vida.
Tirou os olhos do bolso e passou para ela. Kenji o olhou com raiva.
-Oh, amor senti tanta falta de você.
“agora ele não vai mais sofrer tentando decidir qual é sua perversão predileta, só pode ser voyeur mesmo”, ainda resistindo, Gallus pensava. Será que eles voltam para casa e termina tudo feliz? Será que realmente é como disseram, que eles nunca voltaram porque quando estavam descendo naquele carrinho da montanha russa, não entraram em outra dimensão, o carrinho caiu e eles morreram, não vão voltar porque estão mortos, e lá é o inferno? É, o desejo de ver o final de Caverna do Dragão o manteria vivo.
Ela pegou os olhos e guardou na bolsa.
-Fica aí quietinho, amor, amanhã cedo irei a um cirurgião e te darei um corpo novinho em folha, o mais bonito que tiver.
“Talvez assim seja melhor, porque esse japinha era horrível”.
-Agora me deixe acerta minhas contas com esse galinho aqui.
-Ops.
-Bom, já que você foi tão legal com Kenji e lhe deixou os olhos para contar história, eu serei com você também. Deixarei-lhe duas bolas também- Disse isso apontando para o meio das pernas de Gallus. -Essa merda nunca serviu para nada mesmo.
-Não é o que você disse lá no quarto do Sodoma & Gomorra. - disse Gallus, rindo.
-Isso é passado, estava enganada.
-Belo engano.
-Agora vou destruir o objeto que me deu prazer um dia, nada mais bíblico. Talvez o peso do pecado tenha se apossado de mim e eu tenha me voltado contra esse objeto. - encostou o cano da arma na calça dele.
-Amém – Apesar do humor, Gallus estava quase se mijando de medo.
-Mas para um momento como esse é preciso uma boa canção. Ela caminhou até o aparelho de som, pegou um microCD e colocou para tocar:

Tudo que você me deu foram tiros no coração/ nada de canção/ portão aberto/ você me levou aos céus e me deu o tédio/ tudo em um dia e 4 anos/ tudo tão distante/ tiros no coração que carrego dentro do meu cérebro/meus olhos ainda estão abertos/ mas não penso mais porque você apagou tudo como um samurai que apaga uma vela com os dedos num desses filmes fuleiros da tv.

A canção era de Mark Stress, do disco Stress for me, Stress for you, baby!

-Pronto, canção perfeita. Se prepare para perder esse troço ridículo pendurado entre suas pernas, Mr. Gallus.
-Glub – É, parece que nosso herói perdeu o senso de humor, não?
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Tuesday, February 01, 2005

 

Capítulo 2 - NADA COMO UMA NEGRA DE VESTIDO CURTO E UMA ESCOPETA NAS MÃOS (Trilha: Jorge Ben - Que Nega É Essa)


Se não fossem as mulheres, o homem ainda estaria agachado em uma caverna comendo carne crua. Nós só construímos a civilização com fim de impressionar nossas namoradas.
(Orson Welles)


-O que vc quer? Não desliga o som!
-Só quero saber quem te mandou fazer o que você não deveria ter feito.
-ah, vai se fuder!
-Você que pediu por isso.
-Ahhhhh,maldito, vc está estragando toda minha maquiagem.
-Vai dizer agora?Com qual das duas partes da sua cabeça você gostaria de falar?
-foda-se!
-Ops, vamos ver se com quatro partes de sua cabeça você fica mais inteligente.
-Vai tomar no...
Gallus corta fora a boca de Kenji que ainda balbucia coisas sem sentido:
-ssssseeeeeeuuuuuusssss ffffffffffiiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaadddd...
Com a calma de um monge ele corta cuidadosamente os olhos e os coloca na palma da mão.
-Não me olhe assim, você que pediu por isso.
-Filho da puta maldito – Kenji diz com o olhar.
Gallus guarda os olhos no bolso e sai para o corredor, aperta o botão do elevador e espera.
O elevador demora. Quatro minutos e quarenta segundos depois ele chega. Quando ele abre a porta uma visão linda: Uma negra com um vestido curtíssimo e uma camisa com os dizeres 100% nega lhe olhando no fundo dos olhos. Paixão a primeira vista. Gallus pensou que uma aproximação poderia até dar certo, não fosse a escopeta que a mulher apontava para ele:
-Você tem algo que me pertence- disse ela.
-O que? Meu “Bráulio”?-Não era hora para fazer piadas. O tiro lhe acertou no ombro. O sangue jorrou e atingiu em cheio um quadro que era quase todo branco na parede, não fosse uma bola acinzentada pintada no canto esquerdo, que lembrava uma lua.
-Bonito, agora só falta assinar.
-Você pode perder a vida mas não perder uma piada, hein Gallus?- disse a negra, passando pelo corpo de Gallus caído no chão e lhe mostrando uma calcinha com os dizeres: “Só para os seus olhos , amor!”. Dizeres bem apropriado, ela era a namorada de Kenji.


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Monday, November 29, 2004

 

Capítulo 1 - NADA COMO CIGARRO, CAPUCCINO & UMA CABEÇA VOANDO (trilha: Derek Olson - Were is my mind)


A diferença entre sexo e morte é que com a morte
você pode fazê-lo sozinho e ninguém irá rir de você.
(Woody Allen)




A cabeça com cachos negros e olhos orientais voa pelo ar. Na boca um cigarro mentolado ainda no começo, no nariz um piercing, Algo meio Boi, meio javali, meio porco, meio sei lá o que. Ela cai e rola no chão sobre revistas em quadrinhos abertas, livros marcados e sujos de capuccino e carteiras com o lacre rompido do mesmo cigarro que ele tem na boca("Menthorax: o seu pulmão diz obrigado", está escrito na embalagem, logo abaixo tem o desenho de um cara bonitão abrindo a caixa toráxica e mostrando um tórax reluzendo que mais parece que foi encerado de tão brilhante e limpo, e abaixo do desenho pode-se ler em letras pequenas (fonte verdana 08):"baixo teor de Cannabis Sativa". Gallus se abaixa, pega uma das carteiras abertas e tira de dentro dela o último cigarro, bate com o fundo do cigarro sobre a mesinha de centro em frente ao sofá, uma mania antiga. Há um laptop ligado sobre ela. Pode-se ver os programas Macromedia Dreamweaver e Flash abertos, Também o bloco de notas, o Photoshop e o Winamp, de onde é tocada a música Cabeça do disco Tutano de Walter Franco. Na música Walter Franco grita, fala e até mesmo canta a letra, em meio a ruídos minimalista e experimentais:

Que é que tem nessa cabeça, irmão
Que é que tem nessa cabeça, ou não.
Que é que tem nessa cabeça saiba irmão
Que é que tem nessa cabeça saiba ou não.
Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode irmão
Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode ou não.
Que é que tem nessa cabeça saiba que ea pode explodir irmão.

Ainda abaixado ele tira o cigarro da boca da cabeça oriental sobre as revistas em quadrinhos no chão(sujando as capas de clássicos como Frigidaire, Metal Hurlant e Linus) e acende o seu cigarro com o outro que ainda mantém uma pequena fagulha, dando fortes baforadas. Gallus é alto, corpulento, topete tipo Elvis feito com fixador, Óculos tipo Elvis Costello, Jaqueta preta que, diz ele, um dia foi de Joey Ramone. Com a régua metálica ainda suja com as hemácias e Globulos brancos da cabeça no chão, Gallus pergunta:

-Está confortável para conversar agora, Kenji?

No Laptop sobre a mesa de vidro a música de Walter Franco acaba e entra Roberto Carlos Cantando "você não serve prá mim". Gallus larga o braço sobre o computador e cai tudo no chão, fazendo a música parar com um ruído irritante.

-Isso não é hora para Roberto Carlos.




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